segunda-feira, 4 de março de 2013

Carta aberta do DACSS à sociedade santa-mariense


É com muito pesar e tristeza que o Diretório Acadêmico de Ciências Sociais e Sociologia (DACSS), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), vem a público manifestar seu posicionamento e prestar solidariedade a todas e todos que direta ou indiretamente estiveram envolvidos, e sofrem com a dor das perdas de amigas, amigos, colegas e familiares, no trágico incidente ocorrido na madrugada deste domingo, dia 27 de janeiro, na casa noturna Kiss, na cidade de Santa Maria – RS.

Em especial, gostaríamos de manifestar apoio e solidariedade aos colegas dos cursos de Ciências Sociais e Sociologia Marília Fernandes Rehermann Freitas, a qual perdeu sua mãe e seu padrasto no incidente e a Victor Krauspenhar da Silva que perdeu um primo, bem como desejar força a Márcio Spiazzi de Almeida Poerschke e Adriele Roth da Silva (Drika), os quais ainda se encontram hospitalizados.

Também aproveitamos para nos sensibilizar e nos colocarmos ao lado de todos os estudantes da UFSM, sobretudo os dos cursos de Agronomia, Pedagogia, Zootecnia, Medicina Veterinária, Tecnologia em Alimentos e Técnico em Agronegócio, os quais foram duramente abatidos sofrendo diversas perdas nesta tragédia.
Tantas vidas, tantos jovens, indo embora de uma só vez e de uma forma tão trágica, é algo difícil de aceitar e o sentimento de impotência quase inevitável.

Todos nós sofremos e ainda estamos sofrendo. Os telefones não paravam de tocar, as notícias ruins não paravam de chegar e a angústia tomou todos os peitos. Pais e mães querendo saber de seus filhos e filhas, estudantes querendo saber como estavam seus colegas.

Como se não bastasse a tristeza e a dor enorme que a tragédia por si só trouxe aos familiares e à cidade de Santa Maria, a Imprensa vil e mesquinha, com sua sede de sensacionalismo, aproveitando para realizar o seu perverso espetáculo em cima de tudo, fazia questão de se aproveitar das piores imagens, bem como dos momentos mais íntimos e reclusos de fragilidade alheia para gerar audiência, agindo da forma mais irresponsável e desumana, sem levar em conta de que o que para a grande mídia eram corpos, para as famílias eram entes queridos.

Em contrapartida, entre tanta dor e sofrimento, neste momento tão difícil, é reconfortante poder perceber e receber a solidariedade que nosso povo manifesta pela união, força e trabalho conjunto realizado pela comunidade de Santa Maria, bem como pelo apoio e solidariedade prestados pelas mais diferentes pessoas de todos os cantos do Brasil. O importante é estarmos juntos neste momento.

No período que se segue, esta mobilização é de extrema importância para que possamos juntos, encontrando uns nos abraços dos outros carinho e reconforto, voltar a nossa vida cotidiana, de forma a sair deste mar de sofrimento, bem como do clima pesado e de anestesia que nos cerca.

Com certeza, foi a maior tragédia da cidade de Santa Maria e ficará marcada para sempre como uma triste página de nossa história. Por isso, além de lamentar temos que usar este momento para repensar nossas práticas, tentar buscar compreender as causas deste incidente e projetar ações que visem evitar atrocidades similares no futuro.

Tendo em vista estas necessidades, acreditamos e reivindicamos a presteza e agilidade do trabalho da perícia em detectar as reais causas para o incêndio; a isenção de influências externas nas investigações para que as mesmas possam transcorrer de forma rápida e clara para apontar os responsáveis pela tragédia; e a atuação efetiva e concisa da justiça em realizar o enquadramento dos culpados de acordo com o que é previsto em lei.

Para além dos responsáveis pelo estabelecimento, nesta hora também é necessário questionar o poder público e os seus órgãos de fiscalização. Será que a verificação das casas noturnas da cidade para a concessão de alvarás está sendo realizada com a devida periodicidade? Será que as inspeções são mesmo rigorosas e seguem padrões objetivos ante normas e requisitos básicos quanto à infraestrutura e segurança? Por que havendo tantas casas noturnas na cidade com as mais diferentes irregularidades as mesmas continuam funcionando?

Temos que ter em mente que, mesmo com o trabalho realizado na prestação de socorro às vítimas na mobilização imediata e precisa dos mais diferentes esforços em conjunto com os governos estadual e federal, a prefeitura municipal de Santa Maria tem o compromisso de realizar ações efetivas de prevenção de incidentes como o acontecido, a partir de fiscalização isenta e rigorosa dos mais diferentes estabelecimentos, a fim de zelar pela segurança e pelo bem estar dos munícipes, pois a remediação dos incidentes não traz de volta as suas vítimas.

Considerando, portanto, que o governo municipal isentou-se de sua responsabilidade sendo falho e parcial nas ações preventivas e de fiscalização, colocando em risco a vida de seus cidadãos, temos a convicção que este também deve ser responsabilizado e responder pelos danos causados a sociedade pelo incidente.

Ainda assim, como forma de ação imediata para o período seguinte, consideramos no mínimo essencial que se realizem de imediato, fiscalizações para inspeção em todas as casas noturnas da cidade.

Dentro da necessidade de realizar fiscalizações mais rigorosas, também aparece a necessidade de uma normatização mais clara e abrangente sobre os pré-requisitos necessários ao funcionamento de uma casa de festa, bem como de demais ambientes e estabelecimentos comerciais de atendimento ao público. Não se pode admitir que locais como estes procedam de maneira irresponsável, visando apenas o lucro e o fácil enriquecimento, como verdadeiros caça-níqueis, sem que seus proprietários tenham a mínima consciência da responsabilidade que é a manutenção e a gerência de um espaço público e sem que se disponha a mínima infraestrutura necessária para o seu funcionamento.

Por isso, para além dos padrões de segurança já existentes, os quais devem ser rigorosamente fiscalizados e cobrados dos proprietários dos estabelecimentos, também é necessário que se discuta e se estabeleçam normativas para formação e treinamento mínimo para os funcionários destes estabelecimentos agirem nas mais diversas situações. Os seguranças, por exemplo, não podem estar limitados ao uso da força física para o controle de entrada e saída de pessoas nestes estabelecimentos. Devem sim ser agentes muito bem treinados para cuidar e zelar pela integridade física dos frequentadores do ambiente, tanto a partir do conhecimento de formas de agir em momentos de tensão, como para atuar prestando primeiros socorros.

Ainda sobre a constituição da segurança nestes locais, é interessante salientar que muitas das equipes de segurança existentes são em sua maioria funcionários terceirizados que prestam serviços a diferentes casas de festa, e não possuem o menor rigor de profissionalização para tal função. Assemelham-se muito mais a milícias do que a qualquer outra coisa, em razão de serem constituídas de pessoas despreparadas para trabalhar com o público, por vezes até agressivas, e estando direcionadas unicamente para zelar pelos interesses comerciais de seu contratante. Coloca-se como imprescindível, neste sentido, a existência de regulamentação para o funcionamento destas equipes de segurança, a partir da cobrança de treinamento técnico e psicológico mínimo de seus componentes para atuar em situações de tensão.

O último ponto que gostaríamos de sinalizar é que a necessidade dos jovens em procurar diversão de forma paga em nosso país se dá pela omissão do governo em propiciar cultura, diversão e lazer de qualidade de forma pública. São poucos, se não raros, os momentos em que isso acontece. Mesmo em Santa Maria, a qual se pretende à intitulação de “Cidade Cultura”, só ocorrem eventos em momentos pontuais, principalmente no final do ano. Em decorrência da falta de alternativas e incentivos culturais em espaços públicos e gratuitos e mesmo pela inibição, ou até mesmo pela repressão através da força, quando da utilização destes espaços, os jovens (bem como a sociedade em geral) ficam compelidos a buscar em casas noturnas e ambientes pagos uma alternativa para a sua diversão, ficando a mercê de empreendimentos despreparados para atender ao público e que estão muitos mais preocupados com o lucro do que com o bem-estar de seus frequentadores.

É necessário união e força neste momento, não apenas para a superação das perdas, mas principalmente para que juntos possamos construir uma sociedade melhor, aonde tais episódios lastimosos não venham mais a acontecer.

Às vítimas, nenhum minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta!

Santa Maria, 1º de fevereiro de 2013

Diretório Acadêmico de Ciências Sociais e Sociologia
Gestão “Não Deixe o Samba Morrer”

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